domingo, 6 de maio de 2012

Kirchner e Repsol - afinal, quem saqueou quem?

Muito se tem falado na expropriação de 51% da empresa petrolífera YPF à espanhola Repsol, por parte do governo argentino.
A lei foi promulgada em parlamento, com 207 votos a favor, 32 votos contra e 6 abstenções. A companhia argentina foi retirada à Repsol, que detinha 57,43%, e considerada como de interesse público nacional.
A YPF sempre foi um símbolo da soberania nacional, tal como as Malvinas (ou Falkland Islands) e a sua reaproriação  por parte do Estado foi amplamente elogiada no país. Os deputados foram aplaudidos por membros de organizações de direitos humanos, como as Mães e Avós de Praça de Maio, ou de outros grupos, como La Cámpora da juventude kirchneriana, que exibiam com orgulho distintivos com o antigo logótipo da petrolífera, na época em que ainda era estatal. O bom filho à casa torna...
Eu não sou economista para avaliar se esta aquisição será ou não boa para o país, no que diz respeito ao investimento estrangeiro. A Espanha da Repsol é, como se adivinha, o maior investidor externo na Argentina e esta manobra governamental poderá não ser vista com bons olhos para as restantes empresas espanholas que investem no país. Cristina Kirchner está debaixo de fogo, com revistas como "The Economist" a acusarem-na de encher os bolsos com dinheiro dos argentinos e de ter uma ganância incomparável. Chamam-lhe até a "kitty Christina"... Mas que grande falta de "sense of perspective", diria eu. 
Considero que por agora os verdadeiros vencedores são mesmo o povo argentino e uma personagem que bem representa esta luta pela verdadeira soberania nacional: Pino Solanas. Este realizador de cinema argentino, hoje deputado nacional pela cidade de Buenos Aires, sempre foi um grande crítico da presença de empresas estrangeiras no país. Para Solanas, a globalização e o livre comércio colocaram o país na bancarrota, retirando direitos sociais básicos à população, e expondo-a à pobreza extrema e à fome, que matou milhares. Verdadeiros crimes contra a humanidade em tempos de paz.
Para quem já se esqueceu da grave crise que assolou o  país há uns anos atrás, a Argentina passou em muito pouco tempo de símbolo de prosperidade a um símbolo de dívida e de dependência, devido à corrupção entre o poder político e o poder financeiro e ao expólio dos bens públicos nacionais. Foi nesta conjuntura que grande parte das empresas nacionais foram privatizadas e adquiridas por grandes multinacionais. Caso da venda YPF em 1999 à Repsol no governo de Melem, fortemente criticada por Pino Solanas. E justamente por esta sua visão crítica ao que se passava no seu país e aos olhos de todos, o realizador chegou a ser baleado 6 vezes nas pernas por um grupo simpatizante do governo em funções.

O seu filme, "Memoria del Saqueo" que coloco abaixo, de 2003, é a sua forma de contribuir ao debate de que a globalização levada a cabo é totalmente desumanizada e de que um outro mundo é possível. 
Vale bem a pena.
Afinal quem saqueou quem?
Gain some perspective!  

2 comentários:

  1. Os meus parabéns! o texto está muito bom. Contudo, a minha opinião é que quem compra tem o direito ao bem. Parece-me que ninguém obrigou o governo Argentino a vender a YPF! Ou alguma entidade de crédito internacional obrigou (confesso não ter a certeza)? Se bem me lembro, a Argentina recusou ajuda externa porque queria gerar liquidez através da alineação de bens públicos internos. Esta opinião poderá ser contraposta com o facto do governo ter uma opinião que não é, necessariamente, confluente com a do povo (daí a importância do povo votar) mas se existe democracia na Argentina então, em última instância, foi a opinião do povo...isto, a mim, parece-me um efeito da democracia!
    Se fosse Espanhol estaria triste e desconfiado...

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  2. O filme/documentário colocado demonstra bem a corrupção dos sucessivos governos e a usurpação dos recursos naturais do país por empresas estrangeiras, não tendo nunca em conta os interesses do povo ou do país. Como não respeitaram no passado os interesses nacionais, como a dívida contraída é injusta e ilegítima e como esta condiciona fortemente o crescimento económico do país, que por causa dela não se consegue financiar internacionalmente, a solução encontrada foi a nacionalização da petrolífera. Ladrão que rouba a ladrão... Neste caso nem é o ladrão que rouba o ladrão, mas sim o proprietário roubado que recupera o objecto furtado.

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